Traficante e usuários falam sobre o efeito Oxi

Enquanto os amigos se dedicavam a escola, família e namoro, Jackson Fernandes (nome fictício), aos 15 anos, entrava no mundo do tráfico. Porém, seu contato com as drogas havia começado anos antes, quando ainda terminava o ensino fundamental. Esse foi seu último ano no colégio. “Nessa vida, é tudo muito rápido, quando a gente vê já usou de tudo. E de viciados passamos a viciar os

outros.”

Hoje, aos 28 anos, Jackson já contabiliza duas passagens pela polícia, quatro tentativas de homicídio e inúmeras ameaças de morte, tudo para conseguir o controle da venda de drogas de um bairro da cidade, a Sacramenta. “Essa foi minha escolha de vida. São madrugadas em claro, até com medo da morte. Já que os clientes nunca vão me defender de nada, eles só me sustentam”.

Segundo o traficante, a droga mais procuradas é a cocaína, em todas as suas formas, com destaque para o Oxi, “a droga do momento”, como afirmou. Por mês, Jackson estima receber por volta R$ 8 mil, variando o preço da droga de acordo com a quantidade solicitada pelo usuário. Entre seus principais clientes estão jovens de classe média baixa, que na maioria das vezes, revendem o produto.

Sobre sua escolha de viver no mundo do tráfico, ele admite não ser a melhor opção, mas também não pretende mudar a maneira de viver. “Ninguém pode julgar aquilo que nunca viveu. Cada um paga pelo preço da sua história”.

De acordo com informações da Polícia Civil do Estado, somente nestes primeiros meses de 2011, cerca de 1.144 crimes de tráfico de drogas foram registrados, número positivo para prisões em comparativo com o mesmo período do ano passado, que atingiu 818 crimes da mesma natureza. A maior quantidade de droga apreendida, de janeiro a março deste ano, foi de 94 quilos de maconha, no interior do Pará e no mesmo período. Na Região Metropolitana de Belém, a cocaína esteve em maior quantidade, com 10 quilos apreendidos.

CRESCIMENTO

Para o delegado e diretor de Polícia Especializada João Bosco, vem ocorrendo um aumento significante de traficantes e de drogas apreendidas. Bosco ressaltou que as operações estão sendo intensificadas no interior do Pará, para combater a chegada da droga ao centro urbano. “Realizamos quatro operações por ano, em regiões estudadas pela polícia, áreas mapeadas, principalmente aquelas de fácil acesso aos rios e floresta densa, que são atingidas por meio de aeronaves clandestinas”. Entre as regiões de plantio de drogas, as mais afetadas são os municípios de Viseu, Nova Esperança do Piriá, Garrafão do Norte, Cachoeira do Piriá, Concórdia e Acará.

O delegado relata ainda duas formas de combate ao tráfico. Uma delas é pelo disque-denúncia, realizado através do número 181, e pela identificação de lugares discriminados por usuários, que são investigados pela polícia. “É feita uma campana para a verificação da prática do crime naquele local, coletando informações sobre os envolvidos. Então, podem ser feitas as buscas, apreensões e prisões dos traficantes.”

Bosco ressalta que todas as seccionais e delegacias, desde 2006, com a popularização da cocaína, realizam um trabalho de combate - não somente ao pequeno traficante, mas também aos distribuidores da droga. “As investigações de rede são efetuadas para apreender traficantes e bocas de fumo responsáveis pelo abastecimento no Estado, que recebe a droga dos maiores produtores, que são do Peru, da Bolívia e Colômbia”.

Pai deu o primeiro cigarro de maconha

“Meu primeiro cigarro de maconha foi com 12 anos, por influência do meu próprio pai”. João Oliveira (nome fictício), 22 anos, contou que começou a usar drogas através de sua família, que até hoje sustenta os gastos da casa no mundo do crime. João mora no bairro do Jurunas desde quando nasceu. Conta que experimentou cocaína pela primeira vez aos 14 anos. Desde então, fez do vício um hábito diário. “Minha garganta, minhas mãos e meus dentes ficaram todos travados. Dá pra sentir meu coração batendo na cabeça, latejando”. João acredita que com uso de entorpecentes a vida fica mais tranquila. “Gosto de fugir do meu controle, de esquecer os problemas e relaxar”.

O usuário, afirma ter levado vários amigos para o mundo das drogas e confirma que hoje eles têm suas próprias bocas de fumo. “Trouxe os caras pra ver como era e a maioria gostou. Tiveram uns que não curtiram e saíram fora do grupo (sic)”. Ele ressaltou ainda que não pretende largar a cocaína e que um dia espera liderar o tráfico como seu pai na sua comunidade. “Quero ter o meu negócio, ganhar minha grana sozinho. Ainda tenho que dividir tudo com dois irmãos e meus pais”.

NO LIMITE

Mas ainda existem aqueles que podem comemorar o dia em que decidiram não fazer mais parte do mundo das drogas, como o caso do advogado, funcionário público e consultor em dependência química Matias Nascimento Júnior, 39 anos, que quebra o anonimato através dessa entrevista, para relatar sua experiência com as drogas. Há 13 anos e dois meses sem uso de entorpecentes, Matias relembrou seu pior momento quando estava com efeito do álcool e da cocaína. “Tinha um rival de torcida organizada e uma das vezes que encontrei com ele, já sabia que íamos brigar, mas ele tava armado. Então falei, ‘atira, seu otário’ e ele atirou na minha perna. Não me matou porque não quis”.

Matias tomou sua primeira dose de bebida alcoólica aos 18 anos, quando passou no vestibular. Ele conta que nesse momento os sentimentos se misturaram. “Chorei, passei mal, me senti sozinho, fiquei com raiva e algumas horas ficava alegre. Desde então, não consegui mais me controlar”. Aos 19 anos, foi a vez do primeiro cigarro de maconha. “Um amigo me ofereceu a droga quando peguei uma carona com ele. Mesmo com medo, usei”. A cocaína veio depois, com 21 anos, e a sensação mudou. Era a hora de se sentir poderoso. “Ela era uma droga que todos tinham muito medo, o preconceito era grande, mas quando experimentei me sentia seguro, com o poder dentro de mim. Tudo que eu nunca tinha sentido antes”.

Por conta do vício, ele afirma não acreditar mais em nada e nem em ninguém. “Manipulei pessoas com mentiras e farsas. Não acreditava em Deus, me sentia um animal, um alienígena. Não existia verdade alguma e o mundo era culpado pelos meus problemas”.

Depois de entrar várias vezes em princípio de overdose, Matias resolveu aceitar a ajuda de parentes e a acreditar em Deus. “Pedia pra não me deixar morrer. No fundo eu queria mesmo era viver. Então mergulhei de cabeça na recuperação, evitei pessoas, lugares e coisas que me levavam a ativa das drogas. Hoje minha maior vontade é encontrar aquele que me deu um tiro na perna, que não se sei ainda está vivo, dar um abraço nele e dizer que estamos juntos, basta acreditar”.

DOZE PASSOS: REFORMULANDO A VIDA DO EX-USUÁRIO

1 – Admitir a derrota.

2 – Acreditar em algo superior.

3 – Decidir entregar a vida para o poder superior.

4 – Fazer um inventário de si mesmo.

5 – Admitir as falhas para si, para Deus e para os outros seres humanos.

6 – Se prontificar para aceitar a nova vida.

7 – Ser humilde para largar drogas e o defeito do caráter.

8 – Fazer uma lista de quem prejudicou com as drogas.

9 – Fazer a reparação com essas pessoas, desde que não as prejudique.

10 – Fazer orações e

vigiar a si mesmo.

11 – Pedir forças e fazer meditações.

12 – Com o despertar dos passos acima, levar sua mensagem para outras pessoas e colocar esses princípios para todas as suas atividades.

Fonte: Matias Nascimento Júnior, consultor em Dependência Química.